RIO ENERGY 2021 | Série Especial
O Futuro do Gás Natural | O que esperar para o Estado do Rio de Janeiro
Por: Marcelo Accorsi Miranda, CEO da ETM Turbo
O Estado do Rio de Janeiro tem se caracterizado como um novo eldorado para o setor de gás natural, uma espécie de “emirado” do gás. A região está concentrando o consumo de gás natural no aproveitamento para geração de energia em larga escala, porem é necessário diversificar o aproveitamento do insumo visando aproveitar todo o seu potencial de desenvolvimento regional.
O contexto atual da chegada do gás do Pré-sal e dos campos convencionais por meio das grandes rotas existentes e em implantação, combinado com a introdução do novo marco regulatório do gás, proporciona inúmeras oportunidades para o desenvolvimento e aproveitamento de todo o potencial deste insumo e o seu encadeamento produtivo, especialmente para desenvolvimento econômico, tecnológico e social do Estado.
A região Leste Fluminense encontra-se em posição privilegiada tendo em vista a chegada da ROTA 3 ao continente, penetrando por Maricá e chegando ao antigo COMPERJ, hoje GASLUB. Além disso a oferta decenal prevista é crescente, levando-se em conta não apenas a produção local, mas a abertura para importações de outras regiões, países e até a importação direta via LNG. Para completar o cenário favorável o gás natural é considerado mundialmente como uma fonte energética limpa, de baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE), servindo como combustível de transição e estratégico para descarbonização da matriz energética mundial. Como consequência tanto governos, como grandes empresas estão investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento visando tecnologias que se utilizem do gás natural seja para substituir fontes mais poluentes como o carvão e o petróleo, como também desenvolver tecnologias que possam “limpar” o gás natural e torná-lo, direta ou indiretamente, um combustível isento de emissões de GEE.
A ideia original do COMPERJ previa a criação de um grande e diversificado complexo produtivo a partir do petróleo e gás natural. Não cabe aqui discutir o contexto e as motivações do retrocesso na ideia original, entretanto é necessário refletir e aprender com os erros e imaginar o futuro com criatividade e determinação, coordenação e decisão, visando um salto de qualidade, uma mudança de patamar, no desenvolvimento econômico e social da região, de forma sustentável.
As tecnologias disponíveis atualmente oferecem inúmeras oportunidades de aproveitamento do gás e seus derivados, a partir dos líquidos de gás natural (LGN). Não confundir aqui com LNG ou GNL, que é o gás natural liquefeito, basicamente metano puro. O gás que chega na Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) compõe-se de uma mistura de hidrocarbonetos a saber: Metano, Etano, Propano, Butano (Normal e Iso) e uma mistura de hidrocarbonetos mais pesados chamada por C5+ ou gasolina natural. O metano é o principal insumo para produção de energia. Os outros componentes são caracterizados como líquidos de gás natural, LGN. A figura a seguir ilustra os LGNs (NGL em inglês) e a suas respectivas aplicações.
O metano contido no gás natural é composto de um átomo de carbono e quatro átomos de hidrogênio, e é representado pela formula CH4. Além de insumo como combustível, o metano pede ser usado para produzir hidrogênio, amônia e fertilizantes.
O etano (C2H6) é um insumo que desperta atenção, pois no caso do projeto da UPGN do GasLub não está previsto, ao menos inicialmente, a extração do etano do gás que chega na unidade. Como consequência o etano é vendido como combustível misturado ao metano. Trata-se de uma aplicação menos nobre, embora o etano acrescente valor ao gás vendido por ter um poder colorífico maior que o do metano. Entretanto, o etano é um importante insumo para produção de derivados petroquímicos. O etileno é um gás derivado do etano que é usado para produção de plásticos e hoje o Brasil importa esse insumo pois a produção interna não atende a demanda. Note-se que essa é uma situação que já considera uma década perdida em termos de crescimento do PIB. Caso, como todos esperamos, haja retomada do crescimento após o sucesso da campanha de vacinação, o mercado para o aproveitamento do etano se fortalecerá ainda mais.
A questão das mudanças climáticas e urgência de medidas para mitigar seus efeitos está levando o mundo desenvolvido, nos cinco continentes, a uma incessante busca de novas tecnologias não só para descarbonização de fontes de energia, como também o seu uso. Por outro lado, o complexo mundial de produção de combustíveis fosseis não tem alternativa senão se adaptar. Nesse contexto enormes somas de recursos estão sendo investidos para, senão perenizar, permitir uma sobrevida aos insumos fósseis.
Ao contemplar cenários de restrições as emissões de CO2, sejam elas por regulamentação ou por precificação das emissões de GEE, os objetivos destas pesquisas são de dar competitividade a alternativas que permitam aproveitar insumos fósseis. Um exemplo são os significativos investimentos que os EUA (DOE – Department Of Energy) estão fazendo para o desenvolvimento de novas tecnologias de captura, sequestro e utilização de carbono (CCUS). São os governos de mãos dadas com a inciativa privada em uma corrida contra o tempo. O MIT Energy Iniciative (MITEI) é um exemplo desta colaboração, que tem como financiadores empresas com Shell, ENI, Total, Chevron, Exxon Mobil, Equinor, GE, entre outras. A principal questão hoje no âmbito do MITEI é: Qual é o papel do gás natural em uma economia com restrição de carbono?
Cabe destacar, mesmo nos Estados Unidos, o financiamento público já levou a avanços significativos para o fornecimento e uso do gás natural. Na verdade, esse que é o maior país capitalista do mundo, é um modelo de investimento publico em ciência e tecnologia. No caso do setor de petróleo observa-se uma movimentação, que pode-se dizer atípica, das grandes “Majors” canalizando investimentos pesados na preparação da transição energética, levando a conclusão que a questão econômica, e não apenas ambiental, está no cerne destas decisões.
Ao se pensar em algum programa de desenvolvimento da cadeia produtiva de gás natural é preciso contemplar as oportunidades que se apresentam com tecnologias convencionais, mas não só isso. É preciso pensar como vamos chegar em 2050. Num país em que estamos acostumados a atuar apagando incêndios, combatendo crises sucessivas, perder de vista o futuro é um erro recorrente. Mas no caso de uma oportunidade da grandeza da que nos deparamos no gás natural, não podemos nos dar ao luxo de ficar para trás.
Pegando carona no que o mundo já esta disponibilizando de novas tecnologias destaco algumas que podem ser de base para desenvolvimento tecnológico que está por vir. A primeira delas é a produção de hidrogênio puro com captura de CO2 a partir do gás natural. Dentre os vários projetos em andamento destaco o projeto Hyper, um consorcio envolvendo Cranfield University, GTI (Inventor) e DOOSAN BABCOCK. Em comparação com os processos existentes comercializados com captura e armazenamento de carbono na extremidade final, o gerador de hidrogênio compacto GTI pode alcançar:
• Custo nivelado de hidrogênio 20% menor;
• 50% de redução no CAPEX com OPEX semelhante;
• Taxas de captura de CO2 de 96%
• Hidrogênio com pureza de 96%
• Menor espaço ocupado devido à integração do processo
• Potencial para escalar até centenas de MW
Ao facilitar o processo de captura do CO2 a menores custos e maior eficiência, pode ser viabilizado economicamente o passo seguinte que é a captura e armazenamento e/ou utilização do CO2. A logística de transporte de armazenamento e transporte do CO2 é uma questão critica no processo. Por este motivo há várias inciativas em estudos para utilização do CO2 como insumo para produção de outros derivados. Uma interessante pesquisa financiada pelo DOE, equivalente americano do Ministério da Energia, é um processo chamado Desidrogenação Oxidativa do Etano (ODH). Tal processo utiliza CO2 ou Oxigênio para produção de Etileno. O processo se propõe a obter significativa redução de consumo de energia, aumento de eficiência e redução de custos em relação ao processo convencional de conversão de etano em etileno. Na Europa a Shell já esta em fase de implantação de um projeto de ODH de tecnologia da Linde, chamado EDHOX.
Ninguém menos do que Bill Gates mergulha de corpo e alma no financiamento de P&D em tecnologias de descarbonização. Com apoio do DOE, com a entrada recente da Mitsubishi, Bill Gates aposta no aproveitamento do gás natural para produção de hidrogênio por meio de separação direta dos átomos de carbono e hidrogênio. A tecnologia C-Zero irá produzir hidrogênio e separa o carbono em forma de pó que poderá ser usado como insumo para derivados como grafeno, fibra de carbono, material de adição para cimento, ou mesmo produção direta de concreto com base em carbono, além de inúmeras outras aplicações de carbono puro.
Para concluir cabe ressaltar que a abundância de um insumo energético como o gás natural pode ter como consequência um grande desdobramento da cadeia produtiva, com aceleração do crescimento econômico, se houver articulação e coordenação dos agentes econômicos para que os efeitos sejam multiplicadores. O uso do insumo como energético para grandes térmicas pode gerar benefícios, mas não esgota o seu verdadeiro potencial. Por outro lado, a transição energética demanda permanente atualização tecnológica, cada vez mais acelerada, e o tempo até 2050 é curto, dada a velocidade com que mundo está se movendo nessa direção.
A seguir-se o exemplo de nações industrializadas o papel da ciência e tecnologia é indispensável. O papel do estado na coordenação, e até mesmo como financiador, é insubstituível. Não há economia capitalista no mundo em que o estado abdique de alavancar o desenvolvimento tecnológico. Mas há capital privado disponível e disposto a investir no futuro da transição energética.
O arcabouço legal sofreu, nos tempos recentes, mudanças importantes para o setor de óleo e gás como um todo. Notadamente para incentivos a produção terrestre com o REATE, a revitalização de campos maduros com o PROMAR, bem como a nova Lei do Gás. Essa ultima tratou da desregulamentação do transporte de gás e pretende criar condições para um mercado competitivo de gás natural, visando a redução dos preços praticados no mercado interno. Entretanto ainda carecemos de medidas que tenham por finalidade a diversificação da cadeia produtiva ligada ao gás natural oriundo das rotas que chegam ao continente.
Portanto não há momento mais propício para que os agentes econômicos, esferas de poder e entidades representativas do setor se sentem a mesa para debater um programa nos moldes do PROMAR e REATE com as seguintes agendas:
I – Propor medidas para a criação de condições para a ativação da cadeia produtiva ligada ao gás natural oriundo das Rotas que chegam ao continente, com o objetivo de diversificação, geração de empregos e estímulo a indústria de bens e serviços locais.
II – Propor medidas para a criação de melhores condições de aproveitamento econômico do gás natural como insumo industrial, de transporte, geração de energia e derivados petroquímicos.
III – Promover o desenvolvimento tecnológico visando adequar as soluções de aproveitamento do gás natural compatível com a transição energética, implementando soluções com horizonte de tempo compatível com a neutralidade completa ao carbono.
Obrigado a todos e vamos em frente!
Esta é a primeira matéria da série especial RIO ENERGY 2021, evento que será realizado nos dias 26 e 27 de maio e terá como tema central o novo mercado de gás no Estado do Rio de Janeiro.